Foto: Fernanda Calé / Instituto Brasileiro de Transporte Sustentável (IBTS)

Nesta edição de setembro do Percepções PLVB, temos o prazer de apresentar uma entrevista exclusiva com Carlos Ferreira, coordenador de sustentabilidade da Jomed, empresa membro do PLVB e referência em inovação para o transporte sustentável no Brasil. Com sólida experiência nas áreas de Gestão da Qualidade e Meio Ambiente, Carlos lidera a agenda ESG da Jomed desde 2019, sendo responsável por implantar projetos pioneiros e consolidar o programa Transporte Sustentável da companhia.

Nesta conversa, ele compartilha detalhes sobre a trajetória que levou a Jomed a ser reconhecida nacionalmente, os desafios na adoção do biometano como alternativa energética, o impacto de participar do Fórum Ambição 2030 e do Pacto Global da ONU, além da experiência prática na construção de inventários de emissões e relatos ambientais. A entrevista traz insights sobre tendências em logística verde, recomendações valiosas para empresas que desejam trilhar o caminho da descarbonização, e analisa o papel do PLVB como agente multiplicador dessas práticas no setor e além dele.

PLVB: Carlos, como surgiu seu interesse e envolvimento com a sustentabilidade no setor de transporte e logística, e como essa trajetória o levou à melhoria da sustentabilidade na Jomed?

Carlos Ferreira: Sempre atuei nas áreas de Gestão da Qualidade e Meio Ambiente, e, com o surgimento do conceito ESG (Environmental, Social and Governance) em 2004 — iniciativa lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU) —, passei a direcionar meu trabalho para o desenvolvimento de processos organizacionais alinhados às boas práticas ambientais, sociais e de governança dentro da JOMED.

Em 2019, recebi o convite da Alta Direção da Jomed para assumir a liderança do recém-criado Departamento de ESG, com a missão de estruturar e coordenar essa agenda estratégica na organização. Como primeiro passo, elaborei a matriz de materialidade da JOMED, identificando os principais stakeholders, suas prioridades em temas ESG e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) mais relevantes para nosso negócio.

Com base nessa matriz, definimos as práticas prioritárias a serem implementadas, sendo o processo de descarbonização da frota uma das ações mais urgentes. Ainda em 2019, durante a FENATRAN, realizamos a aquisição de dois caminhões EURO 6 – Scania R410 movidos a gás, com entrega programada para junho de 2020. Essa aquisição marcou o início do nosso maior projeto de sustentabilidade: o programa Transporte Sustentável.
As operações com os veículos a gás começaram em julho de 2020, utilizando GNV e biometano como combustíveis. Em apenas seis meses, os resultados já eram expressivos: conseguimos comprovar reduções significativas na emissão de CO₂, diminuição dos níveis de ruído e melhora na viabilidade econômico-financeira da operação, validando o projeto como tecnicamente, ambientalmente e economicamente sustentável.

PLVB: A Jomed foi pioneira ao instalar um posto próprio de abastecimento de biometano. Quais foram os principais desafios e aprendizados desse projeto inovador?

Carlos Ferreira: Como mencionei anteriormente, a Jomed foi pioneira na utilização de veículos Scania movidos a gás, sendo a primeira empresa de transporte rodoviário de cargas do Brasil a operar oficialmente com caminhões a gás equipados com motores ciclo Otto, originais de fábrica.

No entanto, um dos principais desafios enfrentados desde o início da operação com esses veículos foi a baixa oferta de biometano no mercado, especialmente para o setor de transporte. Para se ter uma ideia, antes da implementação do nosso ponto de abastecimento próprio, o **único posto disponível para esse tipo de combustível estava localizado no município de Piraí (RJ), o que limitava a representatividade do biometano em nossa frota a apenas 3% do total de gás consumido mensalmente.

Foi justamente essa limitação que nos motivou a idealizar e viabilizar a construção de um ponto de abastecimento próprio de biometano dentro das instalações da nossa matriz. Desde 2022, esse projeto já estava no nosso radar, pois entendíamos que, para atingirmos nossas metas de sustentabilidade ambiental, seria necessário dar um passo ousado, sobretudo diante da falta de infraestrutura disponível no país e da incerteza quanto à ampliação da oferta de biometano nos postos das rodovias.

Um dos principais obstáculos foi encontrar um fornecedor com disponibilidade da molécula de biometano no estado de São Paulo. Após consultas com diferentes empresas do setor, a Ultragaz sinalizou que teria capacidade de fornecimento a partir de maio de 2025. Com essa informação em mãos, conduzimos uma análise de viabilidade técnica e econômica para a implantação do ponto de abastecimento. Diante dos resultados positivos e do impacto estratégico do projeto, tomamos a decisão de seguir em frente e formalizamos a parceria com a Ultragaz.

Esse projeto representa um marco importante na consolidação do programa Transporte Sustentável da Jomed, reforçando nosso compromisso com a inovação, a descarbonização da frota e o protagonismo na transição energética do setor logístico no Brasil.

PLVB: Como a participação no Fórum Ambição 2030 e o reconhecimento pelo Pacto Global da ONU impactaram e direcionaram as estratégias e práticas de sustentabilidade da Jomed?

Carlos Ferreira: A JOMED é signatária do Pacto Global da ONU desde 7 de setembro de 2021, assumindo o compromisso com os seus princípios fundamentais nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.

Em 13 de outubro de 2022, a empresa aderiu ao Movimento Net Zero, uma iniciativa de aceleração que desafia e apoia as organizações integrantes do Pacto Global da ONU a implementarem ações concretas em prol da descarbonização. Desde então, a JOMED vem alinhando suas estratégias de negócios a metas climáticas baseadas na ciência, reafirmando seu compromisso com o ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima e com as diretrizes do Acordo de Paris.

No dia 4 de junho, durante o Fórum Ambição 2030 – o maior evento de sustentabilidade corporativa do país, realizado pelo Pacto Global – Rede Brasil, a JOMED teve seu engajamento em sustentabilidade reconhecido. Nossa boa prática intitulada “Transporte Sustentável” foi destacada na categoria Meio Ambiente, dentro do Movimento Ambição Net Zero. O case apresentado evidenciou a redução significativa das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), em especial o CO₂, alcançada por meio da utilização de veículos movidos a GNV (Gás Natural Veicular) e Biometano.

Este reconhecimento comprova que as práticas e estratégias de sustentabilidade da JOMED estão plenamente alinhadas às metas globais. Demonstramos que, com inovação, coragem e compromisso, é possível construir um futuro mais verde, consciente e sustentável. Cada passo dado hoje representa uma semente de esperança para as próximas gerações e um legado de responsabilidade para o amanhã.

PLVB: Você vê obstáculos ou resistências na cultura interna ou no mercado para a adoção massiva de combustíveis alternativos e rotinas sustentáveis? Como superá-los?

Carlos Ferreira: Sim, reconhecemos que ainda existem desafios significativos a serem superados quanto à disponibilidade de combustíveis alternativos no setor de transporte rodoviário de cargas. O Brasil possui um enorme potencial em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novas matrizes energéticas mais limpas e sustentáveis. No entanto, para que essas soluções cheguem de forma efetiva ao transportador, é fundamental contar com uma infraestrutura sólida, abrangente e eficiente – condição que ainda não se encontra plenamente consolidada no país.

PLVB: Com a inscrição dos inventários de remessas e relatos ambientais, como a Jomed pretende evoluir na mensuração, transparência e comunicação dos seus resultados ESG para clientes e parceiros?

Carlos Ferreira: Atualmente, a JOMED já realiza a divulgação de seu Relatório de Sustentabilidade de forma ampla e transparente, por meio do envio anual aos clientes, da inserção em plataformas internacionais de avaliação de responsabilidade socioambiental, como o CDP e a EcoVadis, além da disponibilização pública em seu site institucional.

A empresa também se encontra em estágio avançado de preparação para o atendimento ao marco regulatório do carbono no Brasil, instituído pela Lei nº 15.042/2024, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Esse sistema estabelece limites de emissões e permite que empresas e países compensem suas emissões por meio da aquisição de créditos vinculados a projetos de redução ou remoção de gases de efeito estufa.

O SBCE abrange organizações que emitem mais de 10 mil toneladas de CO₂ equivalente (CO₂eq) por ano, exigindo que estas sigam normas específicas e relatem suas atividades ao órgão gestor, reforçando a importância da transparência e do compromisso climático no setor empresarial.

PLVB: No contexto do PLVB, o que mais se destaca como valor para a Jomed, seja em ferramentas, networking ou atualizações sobre tendências em logística verde?

Carlos Ferreira: A JOMED é integrante do Programa de Logística Verde Brasil (PLVB) desde janeiro de 2020 e, ao longo dessa jornada, tem adquirido valiosos aprendizados e referências em sustentabilidade. A participação no programa possibilitou o acesso a encontros, workshops, estudos de caso e materiais técnicos que incentivam e orientam a adoção de boas práticas no setor de transporte e logística.

Entre os conteúdos de destaque utilizados pela JOMED estão o Guia de Excelência em Sustentabilidade – Boas Práticas para Logística e Transporte de Cargas e o Guia para Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa nas Atividades Logísticas, que servem como referência essencial na consolidação de nossa agenda ambiental e climática.

PLVB: Como coordenador, quais práticas ou rotinas internas você considera essenciais para garantir o engajamento das equipes e a efetividade das metas de sustentabilidade?

Carlos Ferreira: Primeiramente, é fundamental que a organização disponha de uma matriz de materialidade bem estruturada, contemplando a identificação de todos os stakeholders, suas principais prioridades em ESG e a relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A partir dessa base, torna-se possível direcionar esforços para os temas de maior relevância, desenvolvendo estratégias e ações de boas práticas que estejam alinhadas aos objetivos de sustentabilidade estabelecidos pela empresa.

É igualmente importante destacar a mudança de cultura organizacional como elemento central nesse processo. O engajamento dos colaboradores é fator decisivo para que as iniciativas sejam implementadas de forma efetiva e gerem os resultados esperados, consolidando uma gestão sustentável de longo prazo.

PLVB: Considerando o papel estratégico do transporte no combate às mudanças climáticas, que avanços esperamos no setor brasileiro nos próximos anos? Que recomendação deixaria às transportadoras que pretendem iniciar a sua transição?

Carlos Ferreira: O transporte desempenha um papel central no combate às mudanças climáticas, sendo um dos setores que mais emite gases de efeito estufa (GEE) — especialmente no Brasil, onde a matriz de mobilidade ainda é fortemente dependente do modal rodoviário e de combustíveis fósseis. Nesse contexto, espera-se que o setor brasileiro avance, nos próximos anos, em três grandes frentes:

  • Transição energética – A eletrificação da frota, sobretudo de veículos leves e urbanos, tende a ganhar força. Paralelamente, o uso de biocombustíveis avançados, como o biodiesel e o etanol de segunda geração, deve se expandir, aproveitando a base agroenergética já consolidada no país.
  • Intermodalidade e eficiência logística – O incentivo à integração de modais menos poluentes, como o ferroviário e o hidroviário, poderá reduzir a dependência do transporte rodoviário, ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência da cadeia logística e diminui sua pegada de carbono.
  • Digitalização e gestão inteligente – Tecnologias para otimização de rotas, monitoramento de emissões e redução do consumo de combustível serão cada vez mais utilizadas, permitindo maior eficiência energética e ambiental nas operações de transporte.

Aproveito para deixar algumas recomendações às empresas de transporte de cargas que desejam iniciar sua jornada de transição sustentável:

  • Realizar diagnósticos ambientais e energéticos para mapear os principais focos de emissão;
  • Investir na renovação da frota com veículos mais eficientes ou movidos a fontes alternativas;
  • Promover a capacitação de motoristas em direção econômica;
  • Implementar tecnologias de rastreamento e gestão de rotas;
  • Estabelecer parcerias estratégicas com fornecedores e clientes comprometidos com a descarbonização.

A transição sustentável não precisa ocorrer de forma imediata, mas deve ser planejada e contínua. Além de mitigar impactos ambientais, ela gera ganhos operacionais, fortalece a competitividade e amplia o acesso a financiamentos e incentivos verdes, essenciais para a modernização do setor.

PLVB: Quais são suas inspirações e referências, nacionais ou internacionais, quando pensa em logística sustentável e inovação ambiental?

Carlos Ferreira: Ao analisarmos o cenário global, é impossível não destacar a Dinamarca como uma das principais referências em logística sustentável e inovação ambiental. O país é amplamente reconhecido como pioneiro na Europa, com forte ênfase no uso de energias renováveis e no desenvolvimento de uma rede de transporte eficiente e ambientalmente responsável.

Além da Dinamarca, outros países como Singapura, Finlândia, Alemanha e Holanda também se consolidam como modelos de excelência, graças às suas infraestruturas logísticas avançadas e aos investimentos consistentes em tecnologias verdes, que fortalecem a transição para cadeias de suprimentos mais sustentáveis e resilientes.

PLVB: Como você vê o papel do PLVB, junto à Jomed, na promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e no avanço da sustentabilidade para além da empresa e do setor?

Carlos Ferreira: O Programa de Logística Verde Brasil (PLVB), desempenha um papel estratégico na promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ao fomentar uma cultura de responsabilidade ambiental, social e de governança (ESG) no setor de transporte e logística.

Ao incorporar as boas práticas recomendadas pelo PLVB, a JOMED não apenas reduz suas emissões e aumenta a eficiência de suas operações, mas também se consolida como agente de transformação sistêmica, inspirando e influenciando fornecedores, clientes e parceiros a adotar a mesma direção. Esse efeito multiplicador é essencial para o alcance dos ODS de forma ampla, integrada e colaborativa.

Dessa forma, a atuação conjunta do PLVB com a JOMED transcende a performance individual da empresa. Trata-se de uma iniciativa que conecta metas corporativas a compromissos globais, fortalecendo o papel do setor como protagonista na construção de uma economia de baixo carbono e de uma sociedade mais justa e sustentável.

A experiência e o olhar estratégico de Carlos Ferreira revelam como a sustentabilidade já faz parte da rotina das empresas mais engajadas e reforçam que a transformação só é possível com inovação, coragem e compromisso. A jornada da Jomed, marcada pelo pioneirismo no uso do biometano, parcerias sólidas e resultados comprovados, inspira todos os membros do PLVB a avançarem rumo ao transporte de cargas mais eficiente, responsável e alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Percepções PLVB agradece a generosidade de Carlos em compartilhar desafios, conquistas e aprendizados, reafirmando que cada iniciativa coletiva amplia o impacto e fortalece toda a cadeia logística brasileira. Seguimos juntos, promovendo boas práticas e acelerando a transição para uma economia de baixo carbono.

PLVB – ODS 17 na prática!

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